12.4.12

ai rapaz

Ai rapaz que me dás cabo do juízo
Com esse teu jeito e esse teu sorriso
Essa cara desenvergonhada quando já vens de camisa desabotoada
É mesmo assim que vais dando cabo de mim

Ai rapaz que me dás cabo do coração
Com essa tua mania de fazeres de mim peão
Com que só vais brincar depois do brinquedo favorito já enjoar
É mesmo assim que vais dando cabo de mim

E portanto, não há amor
Só olhares de maior calor
E eu nem sei como aconteceu
Todo o meu ser agora teu

Ai rapaz que vais dando cabo de mim
Mas eu penso que é mesmo assim, é mesmo assim

28.9.10

ódios do dia

Odeio greves, manifestações e ainda revoluções.
Odeio o ranger de escadas em horas paradas.
Odeio gente que cospe no chão e ainda limpa a boca à mão.
Odeio homens animais, odeio tudo o que está a mais.
Odeio se há vontade sem haver reciprocidade.
Odeio donzelas em apuros e príncipes que por elas saltam muros.
Odeio que Fernando Pessoa morresse virgem sem saber que as mulheres também fingem.
Odeio que um salto alto se estrague no asfalto.
Odeio um mar sem lavagantes para apanhar.
Odeio que num maço, para um isqueiro não haja espaço.
Odeio amores que não provocam calores.


Odeio odiar, sem sequer tentar gostar.

8.9.09

poema a alexandre o'neill

Alexandre,
Nem eu nem tu temos cabelo de asa de corvo, Alexandre.
Nem eu nem tu ficaremos a imaginar,
Vendo as gaivotas no Tejo a passar,
Enquanto desejo dar-te a mão, Alexandre.

Oh Alexandre,
Nem eu nem tu estamos aqui.
Nem aqui, nem hoje, nem já, Alexandre.
Não estaremos em lado nenhum,
Enquanto não me deres a mão,
Aquela que eu prefiro
Que sua com a minha no calor do Verão.

Alexandre, meu amor, vem agora.
Vem que o descanso nos aguarda,
Pelas palavras vãs que proferiste
Mas que tanto te cansaram.
A ti, e a mim, Alexandre.
Vem que o leito é meu.

30.4.09

já só sei escrever palavras

Não há belezas aqui,
Só os segredos escondidos,
Em páginas de livros,
Do que em tempos senti,
De toda a vida que fui,
Todo o sonho que moveu
Aquilo que sempre previ,
Mas que agora, morreu.

Não desespero nem choro,
A alma não pequenou
Foi só um síndrome vago
Já não achar necessário
Escrever aquilo que sou
A cada momento passado
A cada vida num verso
Que um amor verseado
Não tem por isso marcado
O futuro que lhe peço

E talvez seja só desculpa
Da dormência da mente
O porquê da arte acabada
Porque é que a mão já não sente?
Mas tudo tem o destino
Bem escrito em lado nenhum
E não é por serem lavradas
Todas as terras que tenho
Com vontades semeadas
Que tudo passará
De um sonho estranho

E eu já só sei escrever palavras

11.11.08

Crime

Não há sopro,
Ar que se respire
Nas frinchas
Da porta do meu lugar
O sítio quente,
Seguro
Que sempre quis encontrar

Foi antes o abafo e o desalento
Que sem noção recebi
Do crime nefando
Que não esqueço
Nem nunca esqueci

Será que ainda
Deus
Me poderás perdoar?
De tudo o que fiz,
E sou
Sem nunca nisso pensar

3.7.08

Gaveta

Tenho almas
Tantas
Quantas?
Não sei
São só almas guardadas
Na gaveta que tranquei

14.5.08

Emmimmesmada

De tão brandos e verdes
Os campos
De tamanha a luz que irradia
O mar
Terão estes todos os encantos
Que a minha quebrada alma
É suposta
Contemplar?

Pois que de um veloz esgar
Eu contarei
Todo azul do mar
Que a ninguém se tece
Mas porém de todos
Este mar é prece

Não serás meu, ó céu,
Só por te versear...
Tu
Que deténs todos os sonhos
Que me os fazes tão medonhos
Pela alma e pela dor
Que me recuso a te entregar

De incerta voz vagueando
Do meu silêncio de gritar
Te faço a ti, ó não meu, pensando
Que alguma vez me irás chegar...

15.4.08

Ridículo

Tudo isto é ridículo
Humano não o seria
Se não fosse ridículo
E não houvesse porfia

É ridícula a dor
De que padece toda a alma
Que hipócrita e sem pudor
Em todo o luxo se acalma

Mas mais ridículo ainda
É tudo o que penso enfim
Toda a vontade de amor e riso
Que tenho mas não quero em mim

Arte

A tinta seca não mais corre
Porque já tudo o que lhe é se expirou
O que a atormenta, não morre
Foi apenas a arte que se escapou

13.3.08

A Excepção

Eu deixei de saber não dizer toda a palavra que está em mim. Porquê? Ainda me é desconhecido. Só sei que outrora o fiz com toda inocência que a uma criança compete, sem nada mais que sonhos impostos em mim. E agora já não sei. Também já não sei não ter lágrimas. Outrora tinha-as mas, entre sôfregos risos, ia colocando pedras leves nas minhas pálpebras, que as tapavam, e assim sorria. Hoje, só sei que abri as portas. Abri-as sem saber que nunca mais as iria fechar. De mão pequena e tremente abracei a maçaneta na ânsia própria de mim. Vi no chão todo um rasgar de luz, apelador, que me guiou a virar a porta. Virei-a. E agora isto. Tudo o que agora tenho, guardei em versos, guardei em versos meus que um dia me saberão contar o que fazer. Mas até o meu verso é para mim um segredo! É um segredo do que senti em segundos de impossível retorno. Resta-me, agora que todo o meu carácter omissivo se omitiu, ser percepcionada. Ter lágrimas e dizer toda a palavra que está em mim. De mim para todos, mas só para mim.

7.3.08

O Frio Da Vida

Nas águas do rio
Nas asas do vento
Voam pássaros sobre mim
E eu fico ao relento

Minhas lágrimas caiem
No rio a correr
E nas suas correntes
As lágrimas se irão perder

Os meus olhos ardem
Nas asas da solidão
E eu, numa caverna,
No vento da escuridão

escrito nos meus simpáticos 11 anos

4.3.08

Não Sei

És a única coisa que sobra
De tudo aquilo que conquistei
De todas as lágrimas caiadas
De todos os sonhos que sonhei

E eu já só quero é escrever
Mostrar-te a ti o que não sei
Promete-me ao menos que escutas
Não irás tu fugir-me também

Apenas resta a vontade
De que, a todos os desafios
Eu que neles caio, tropeço, e levanto
Me passem mais velozes, mais esguios..

27.2.08

Tu vais e partes sem saber
Que não mais farei que ver-te ir

5.2.08

Rodar

Há toda uma estabilidade
Que lá do cimo me seduz
Que me mente, me tenta
Mas a lado nenhum me conduz!

Ao vómito eu me habituei
Aquele que vem com o deslizar
Entre tudo o que já odiei
Entre tudo o que hei de odiar

Já é nojo o que me vem
Quando me sinto a flutuar
Naquilo que toda a gente tem
Neste mundanice que é o...parar


28.1.08

Querer

Ai, eu queria tanto
Ver tudo de um só canto
Mas uma só alegria, um só momento
Ser cada coisa a meu tempo

Ai, eu queria mais
Que todos os olhos fossem iguais
Que cada um fosse apenas parte
Da mais divina, a humana arte

Ai, mas aquilo que eu quero
É poder sentir enquanto espero
Sentada à frente do mundo
Fazê-lo num só segundo

8.1.08

Isso É-se

Se algo estou
Alheada é
Mas dormindo fechada
Ainda me dou
A todos os sonhos que sou

Esboço
Tenho um
Então Deus, dá-me mais
Já quis todos os ideais
Mas abracei-me a nenhum

E cada moeda atirada
Cada sorte, cada pedrada
Me cai e me dói
Me faz chorar por mim
Nunca foi meu
Querer ser assim

8.11.07

Ser

Sei que ser é ser existente
Sei que é ente que grita por si
E se ser for coisa diferente
Irei eu chorar-me eternamente
Pois não tive noção do meu fim
Não há ser algum em mim

15.10.07

Um

Há um silêncio mordaz
Nesses verdes olhos teus
Em que todo o mundo se faz
Sempre que olham os meus

E és metade ausente
Quando em meus lábios chove
Não há, animal meu, outro ente
Por quem meu choro se move

Pois somos membros desmembrados
De um só nos partimos
De um só nos juntámos
E és meu em toda a dimensão
Deste meu triste e pobre coração

Tenho uma Arma na Mão

Se olho em volta
Questiono
Que é esta civilização?
Pois a cada passo
De outro me recolho
Tenho uma arma na mão

Sempre me intriga
O abraço que nunca dei
E em silêncio me manifesto
Pois me assusta o gesto
Não é de compaixão
Se o é, não o sei
Tenho uma arma na mão

6.9.07

O Livro

Não vá a água molhá-lo
O livro que jaz no chão
Ainda as palavras se sumem
Não mais ao sol brilharão

Não vá o pó manchá-lo
O livro que jaz no chão
Ainda palavras se confudem
Não mais ideal iluminarão

Mas se o livro jaz,
O sol brilha em vão
Que água e sol sempre se tem
Luz para o ler é que não..

5.9.07

peço desculpa pela falta de novidades .. mas férias são férias!

(daqui a 9 dias volta ao mesmo :S)

30.6.07

Memória Outra

Sei do velho que conta
Ao mundo que lhe diz
Estende-te à solidão
-Sempre a tive, nunca a quis.

Mas que sozinho pelas ruas
Já o velho sorriu
Viveu extraordinário mundo
Na companhia que o já viu.

Em tal reflexo inseguro
Se lhe atribulava a mente
Na imensidão de realidade
Sabendo nunca o que sente

Chora meu velho, lamenta
Ignorância será nunca pecado teu
Se só te vives, persistes, contentas
Habitas lugar melhor que o meu

5.6.07

Espelho

Conta ao humano que vês
Que tudo o que lhe fiz
Foi coisa que imaginei
Mas coisa que nunca quis

E que não mais lágrimas caiem
Onde desespero é rei
Contas às palavras que lhe saiem
Que são de ninguém, não as sei

Mostra-lhe que se é triste
Eu o choro em solidão
Mas conta-lhe que é o que resiste
Ainda é quem diz não

16.5.07

Surda

A voz com que me falam
Não a ouço, não a sei
Vivo de olhos abertos
Ao mundo onde o silêncio é rei

Não é que nada proferido
Pelas bocas que me engolem
Não faça qualquer sentido
Não mova almas que nisso morrem

Mas sou surda a palavras
Que em mim nada são
Saiem certas, entram erradas
São-se fora do meu coração

E os coalescentes ditados
Chegam-me inóspitos, distorcidos
Ou terei já os pensamentos artilhados,
Para que nunca os considere vividos?

6.5.07

Sem Saber

Por nada me fico
Sem causa de ti
Só talvez com a lembrança
Do que em sonhos possuí

E que de alma barrada
Te julgo por mim
Te vivo, errada
Na ânsia de um fim

Sê eu.
Faz-me saber o que saber
Faz-me acreditar-te por mim
Enganar toda a verdade sem ver

Sorri.
Finge seres diferente
Finge seres tudo o que preciso
Seres-me tudo leveanamente.

19.4.07

Cura

Quero o tudo e quero o nada
Ser por inteiro a quem pertenço
Em que num sorriso desmotivada
Me dou às almas de quem venço
E todas as cores a preto e branco
Que me coloram a cegueira
Onde sou bastão libertado
Que sempre tropeça na beira
Deêm-me um mundo atropelado
De amor, dor, alegria e traições
Quero tactear desprovida de cuidado
Errar para armar as emoções
Que venha então o proveito
Da desinocência de sofrer
E ser a maior feliz sem preconceito
Depois de tal angústia me encher
Quis saber, e agora metade sei..
Quero alcançar a minha procura
Arrepender-me do que nunca farei
Não morrer da doença mas sim da cura

8.4.07

A Rapariga dos Olhos de Ninguém

Cega, vê o tudo
Se ama? Sempre alguém!
Eterna solitária acompanhada
A rapariga dos olhos de ninguém

Num só abraço o mundo odeia
Num outro igual todo o contrário lhe provém
Na linha de extremos, é horizonte
A rapariga dos olhos de ninguém

Mas os sentimentos são a menos
E suas palavras são a mais
Vive na ânsia do que nunca vem
A rapariga dos olhos de ninguém

27.3.07

Saudade

Se disse que ignorei, menti
Sou tudo o que vive
Mede e compensa
Hoje, sou tudo sem ti

E vê que em cada espelho
Se reflecte o quanto me fazias
Lutar pelo nada
Vê silêncio que te explica
A vontade abandonada

25.3.07

Alguém

Subo a rua que tu já desceste
Sozinha pensei o impensável
Sozinha me achaste...
E então o pensaste comigo
E sou agora o sorriso que te pertence
Sou a eterna dúvida entre o saber e o sonhar
E como se os gestos não me bastassem
Como se as palavras não me chegasssem
Contradicta te questiono, a nós e ao que será o amar...
Mas com todo o silêncio que me dás
Com cada toque em que me tornas amada
Me fazes acreditar
Que encontrei o tudo
Ao lutar pelo nada...

20.3.07

Talvez

Talvez se amasse como quem sorri
Em que tudo surge, tudo o que vi
Faria de mim criança apartada
Em vez de morta, vida pensada

Talvez se as palavras me dessem
Sentido tal ao imaginado
Seria eu em todo um livre
Livre de impróprio sentir limitado

E talvez se fosse mais que nada
Aquilo que dou a quem me pede
Seria eu viva, e errada
No silêncio de quem cede

Estória

Era uma vez um menino
Que brincava e saltava
E que sempre que caía
Pela mãe chorava

E a mãe logo acodia
Na sua maior aflição
E o menino, sorria,
Por ter o amor da mãe na mão

Ao atravessar a estrada, um dia
A mãe do menino morreu
E ele chorava, chorava
Mas ninguém apareceu

Assim o menino ficou
Sozinho e triste e sem ninguém
À beira daquela estrada, sentado
Sem o amor da sua mãe

E o menino triste descobriu a vida
Para sempre sentado naquela estrada, divagou
Descobriu que sentir o fazia chorar
Descobriu que pensar nunca tanto o magoou

Então, naquela estrada de fim
O menino, absorto, morreu
Insensível, olhou um carro e a luz
E sozinho, adormeceu

12.3.07

Momento

Hoje marquei pai
Corria mas parecia andar
Prolonga-se o momento
O será espera em vão
E o foi pede perdão
Cheguei à linha final
As cores unem-se
Nada se ouve
De tão lindo ser o que dizes
Assim como tudo o que digo espanta
O toque abandona-me
Cheirei o nada
E vi tudo
Hoje pai, morri

Cláudio

prenda fantástica, de facto
muito obrigado :)

7.3.07

Longitude

Pensando bem, nunca achou que valhesse a pena. Agora, a sua firme idealização parecia estar a traí-la. Desde pequena que eram longas e tortuosas as noites que levava a divagar na sua morte. A princípio, era-lhe incapaz a compreensão de tais noites, em que as pernas tremiam, incontrolavelmente, em desespero, as lágrimas lhe inundavam o sono, e este era substituído pelo então estrangeiro sentimento de indagação acerca do que fazia ali, deitada na sua cama. Passado tempo, chegou a deixar de pensar na questão, vivendo na alegria de uma sociedade em que juntos nos igualamos, juntos somos o que há a ser, sem questionar. Uma autêntica perfeição, de facto. Porém, o toque veio. Aquele toque que despertou em si o que não sabe se proveitoso ou se fatal, mas certamente o que a levou a relembrar as noites de abstracção na cama. Morte. Mas estranhamente, esta já não veio como incompreensível, mas sim absurdamente desejável. Enoja-lhe relembrar que já pensou assim, pobre criança apartada. Mas na altura tudo lhe parecia ajustado a tão unânime sentimento, estúpido, a essa incógnita vontade de abdicar de existir. Então, de súbito, a origem do toque emergiu em conflicto com a vontade. Na sua já habitual devastação, as mãos cansaram-se do consumista e vicioso toque e, com o direito da sua obrigatória existência, mudou. Mudou de toque. E desse toque para outro, e desse outro para tantos outros díspares. Nisto, a morte despiu-se de fascínio, e o agora sentido mostrou-se, de modo único e inequívoco, mais assombroso que nunca. Os sais das lágrimas deviam-se agora ao medo do fim, ao pânico de não existir, à agonia de ter nascido e ser manipulada a questionar, mais que maquinaria. Ausência e desejo de toque...Numa imaturidade consciente pela vivência, aclamou à racionalidade, deixando de lado a ânsia e premeditação que a viviam, para o prazer de apreciar cada novo padrão de contacto. E a morte suspende, a pairar constantemente sobre a cama onde outrora as pernas tremeram, onde agora sorri. Sorri por tudo o que fez, pensou e será. Por tudo até deixar de existir.

27.2.07

Deus

Eu queria tanto acreditar
Que desta porfia de fim
Um dia me virás buscar
Um dia me porás um fim

E que em teus braços dormirei
Leve, calma e desalmada
Livre do que neste mundo já carreguei
Livre de toda a ilusão criada

Mas tua fé não me move
Assim, aqui, me prende a razão
De que um dia, sendo nada, morrerei
De que um dia pensei ser tudo, em vão

24.2.07

Óbolo

Desconheces porque vives
Sê então absorto e mudo
Cria apática solução
Pensar? Tudo.

Ignora os tremores que
Tentam manter-te levantada
Desfaz-te de emoções
Sentir? Nada.

E quando tiveres de pagar
Pelo dever de existir
Não vais ter nada a dar
Pois nada te fez sorrir

19.2.07

Vício

Vais aguentar, vais pensar que vai passar. Vais irritar-te, estruturar o comportamento padrão da atitude. Vais suportar, aguentar porque alguém sempre cede. Vais cansar-te, vómito pela eterna cedência da tua parte, de não quereres e não parares. Vais torturar-te, pela permissão que me dás, por levares tudo que não te diz respeito. Vais então tentar, tentar o outro lado, desafiar o que constantemente mexe nos cordões do que és. Vais chorar. Exasperante, vais gritar até não poderes mais. Vais destruir, espancar e ferir sem teres noção. Vais questionar o impensável, vais repensar o inquestionável, em pura agonia de dúvida vais querer o fim. Extâse após extâse vais enlouquecer, enlouquecer sem conseguires ou quereres parar. Não saberás mais o que fazer, não sabes já por onde optar, não sabes sequer o que manter, o que eras ou serás. Vais odiar, odiar o que não sabes como vem mas que sabes que virá. Vais errar, vais ignorar a tua ignorância e em impulsos animais vais desabar o que tens vindo sem proveito a construir. Em pânico vais pensar que tomaste a rédia. Vais mas não tomas. Vais tudo porque eu consigo. Consigo e quero conseguir. Quero porque preciso, ou não faria sentido.

14.2.07

Porto

A luz baixa do sol já lhe ofuscava a cara, obrigando-o a fechar os olhos, mesmo sem querendo fazê-lo. Quanto mais remexia os pés, agora gelados pela temperatura ainda baixa daquela água, menos vontade tinha de sair dali. Por vezes perguntava-se se aquela ideia de inexistência de sentido que vivia não lhe traria um sentimento de escárnio pelo que a outragem parecia viver. Só os homens da magrugada, rotineiramente parados naquele porto onde calmamente remexia os pés, o fascinavam já. A cada um, tentava viver-lhes cada percurso. Em longos momentos, variando entre pés molhados ou costas reconfortadas no muro, imaginava entrar-lhes naquele corpo envelhecido pelo sal, divagar cada ideal que tão serenas mentes criaram. Nesta banalidade vivia, interrogando-se da própria estranheza de tal quotidiano. Naquele novo mas não por isso diferente dia, uma nova vaga de vento lhe contava que mais um dos reis daquelas águas estava a caminho. Aquele vapor preto emancipava-se sim, no meio de tanta vermelhidão pelo sol trazida, de forma a que se assemelhava a si próprio, homem que era ali sentado. Tinha especial gosto em rir-se por dentro, analisar a insolência de sujeitos estereotipados que entre dentes comentavam a sua imaginada desgraça. Pobre vida, a de viver junto ao mar sem nunca nele entrar... Porém, intacto a objecções, apreciava que assim o considerassem. Dependência, apenas a tinha do já esquecido nascimento e da vindoura morte. Entre isso, evadia-se do seu próprio percurso, diferente dos pescadores que olhava, diferente da gente que o comentava. A tal felicidade tão necessitada surgia-lhe aos poucos e poucos, sempre perfeita, nunca eufórica, nunca escassa. Olhava agora os pés arroxeados, e lembrava com saudade mais digno homem que tão admiravelmente vivera no barco abandonado parado à sua frente. O sentido da vida é a inexistência deste nesta, escrevera-lhe ele no bloco de notas que sempre tinha consigo. De corpo enterrado na terra, a alma de tal homem pairava sobre si e aquele barco.

7.2.07

Homem de Fato e Chapéu

Intacto no seu alheamento
Caminha nas suas largas passadas,
Longas e calmas, pisa
Incontavelmente, o chão da sua Lisboa.

Distante do agora
Da linha visionária da sua estatura.
Doirado pelo sol,
Inverte o já descido Chiado.
De tique, ajeitando o chapéu negro
Que lhe aquece confortávelmente a cabeça,
Sobe do Rossio, do mar invasor.


O silêncio solarengo, invulgarmente citadino,
Atrai pássaros a gritarem do alto, de
Cada prédio em que se reflecte a vivência banal, cantada.
De encontro a Pessoa, pensa em si.
Seus ideais imortalizados em palavras, dignos.

Calmamente,
Um banco acorda-o para o cansaço suportável das pernas.
Sentado, retira do bolso o seu bloco e caneta.
Rê-le o já escrito, olha o céu,
E acrescenta-lhe o pensamento sedado pela tranquilidade preenchente.
Pousa as mãos, já livres, no banco aquecido pelo sol,
Divaga mais um momento imaginário.

Sobe finalmente para Camões.
A este a luz não ilumina como fizera a Pessoa...
De pé, descansou.
De janelas fechadas ao mundo, pressentiu que o sono do sol chegara,
E voltou a descer.

Novamente, Chiado. Diário ponto de partida e chegada.
Olhou fixamente o raio último do sol.
Fechou os olhos, pensou,
"Mais um", sorriu.
Desapertou a gravata, retirou o chapéu.
Entrou em casa.

Frustração

Calma, porém fervosa, lamenta ciclosamente. Que é feito da convicção que a preenchia? Quimera cingida de inexplicável...questiona então a extraordinariedade. Afinal, seria assim? Iria para sempre a sua fraqueza tão humanamente vingadora cortar-lhe o ilimite da ânsia por mais? Já lhe é impossível visionar outro caminho, por onde quer que a alma sonhadora a leve, a sua própria humanidade fá-la recuar tudo de súbito, prova-lhe que lhe é impossível volver à inocência. Desespero completo por vómito...o que lhe entra a nada lhe sabe já, gosto impensável de desprezo. Vómito então de indesejo, mosto tépido de insatisfação sentida. Tal a conduz ao mais paradoxal, cepticismo...nada, frustação incorrecta existencial. O vómito para si? Assemelha-se a outros como desejo de atenção, o fim do princípio de necessidade. E então, o ódio. Não tem bem a certeza se ódio, mas um descontentamento imenso. Ódio pela incompreensão das criaturas alheias ao seu próprio mundo. Ódio de bipolar desejo, contraditório, de quente contacto e isolamente solitário. Ela e as palavras. Ah, que frustração a incerteza! Que tamanho criador tira prazer de tal tormento? Enoja-lhe a própria fragilidade, o saber que continua não só por si, mas por tais entes que juram sentir. Assim conhece que lhe é inultrapassável este estado, este vaivém de julgamento e porfia. E enfim, deste único modo vive, não sabe se pela tímidez do sentimento, se pela benevolência da condição humana. Frustração dispersa em si.

30.1.07

Controlo

Chamar-lhe-iamos inteligência se nos vivesse completamente. Distânciamento da imperfeição tão unicamente humana, pensada. Mas e se? Coisa tão emanamente intrínseca a de pensar mais alto, o não real. Que luxúria a nossa de etéreo equilírio? Extremos amantes tão logicamente alcançáveis? Há que imaginar, noção de contentamento, de impossibilidade. Capacitado por tal, elevaria-se à mais alta frieza, não vivência subjectiva. Aborto de sociedade desvalorativa, nunca universal. Colapso total perfeccionista. Apenas o inalcansável fascina. Divina balança corporal equisentimental e materialista. Absolutidão de contrários. Tudo. Viciosa errónica. Chora-me por dentro, desilusão. Água desgostosa pela inegável essência, desespero pelo incapaz. Tempo, passar tempo, mente...e então, a calma. O controlo. Mais sóbrio conceito idealizado. E o desejo por tal não é mais que banalidade para alguns. Há que, nisso, procurar o atingível pela coexistência do pensamento, negar frustração e lamento. Controlo de nós.

24.1.07

Palavras

São proferidas num tão vulgar tom que todos lhes desconhecem a criação. Ideal ordinário em que vivem que nem a caneta de um escritor. A abrangência desconhecida, inimaginável, retarda-lhes o pertencente caos. Conhecem cada canto, de onde criaram protecção mundana para os significados omitidos ancestralmente, pura dúvida de necessidade de alguém. Desejo de quente por dentro, vontade de conforto irresponsável, vivência não solitária. Criadas, destróiem a essência concebida. Livres, habitam etéreo pensar humano, esvaiem a lógica por si mesmas criada, vivem de próprio ciclo. Ciclo de fim momentâneo: vingam cada morte, dissipam cada óbvio. Tudo seu.

22.1.07

Nunca

Um dia saberás quem foste
Que sonhaste um mundo só teu
Exististe, exposto
Pensaste o imaginário
Criaste eterna ilusão
Sentir ? Nada.
Tudo em mente
Tudo em vão

Manhã

Desperta do profundo sonho que viveste. No pacífico, ergue o teu pensamento bem alto para que a consciência te invada a alma. Descansa da rede que te atormenta, caminha para o insubstancial passeio da calma alheia. Lá, abdica. O sol encara-te a face como se só a ti iluminasse. Teus olhos reflectem o que te enche por dentro. Tanta paz recôndida que um corpo atónitamente aflito possui. Mas existe sempre este acalmar, tal que só o sol te traz, seja a manhã em que escutas melros de um negro carvão a sussurrarem as mais apaziguadoras preces, sejam as árvores que acabadas de olhar a luz emancipam o seu verde tão calmamente reconfortante. Fresco. Estado de mente tão etéreo e efémero. Há que devorar a sua virtude, dom tão magnificamente eficaz. Angústia e ânsia ? Já te aguardam. Pensamento ribombante volverá a teu corpo. O teu espírito presentemente sedado romperá, imerso na aflição. Nega permissão. Guarda cada manhã de sol para ti.

Definição

Que é existir sem querer morrer
Luz que emancipa no escuro
Sentimento invade corpo duro
Olhos abertos ao mundo,
Impossibilidade de entender

Cumplicidade humana afastada
Mente pura, alma dourada
Angústia preenchente de vazio
Lençol que desabriga frio

Querer o mar que não é escrito
Poetas tais só conseguem ver
Há que encontrar, chamar por nós
Eterno fruto imaturo que é o ser

Tudo o quê, senão viver ?

21.1.07

Fuga

Há que encará-la como um emaranhado de linhas, construído na perfeição em cada seu ínfimo pormenor. Turbilhão enegrecido pela derrota de princípio tomada. Que sentido o de tentar desviar um fim tão existente? O aprisionamento leva à vontade de sumir. Desespero de destruir tudo e partir para bem alto. Os inúmeros braços impotentes tentam o inalcansável, o desemaranhar das linhas, a resolução e ignorância. Porém a fuga nunca se dá, a mente não permite. Bem sabe que as únicas linhas descruzadas vivem da ignorância ou da loucura genialista, ambas não queridas. E prolonga, prolonga de modo a que nunca acabe e sempre se complexe mais. Imensidão de dúvida e confusão. Mente e fuga confrontam-se para dominar o corpo. E as linhas dançam e sorriem como se apreciassem a a derrocada, o ruir do controlo. Sempre souberam que era preciso mais para suportar o confronto inevitável. A alma? Descanso, não sabe se a ignorância ou a inteligência, mas o descanso. Fuga do simples real e ordinário. Vontade tão incomensurável de escapulir, grito de desespero infindável por libertação mental. Os tais de braços esvaiem-se na sua essência, falta de motivação para o desvio do tal fim. Resguardar. Resguardar para depois voltar. E talvez um dia a fuga se dê, se liberte. Que a alma descanse...

15.1.07

Re-cria

Observa o rasto fulvo da vivência inteligível
Abdica do sorriso por entendimento
Sê aquele que concebe o sentido da existência
Existe em paz, conflictua apenas em espíritio
Deitado fantasia a tua realidade
Faz de ti absorto da ignorância dos outros
Fecha as portas a tudo .. sê um só no teu mundo

Abismo

Uma vontade nenhuma. Carência do indecifrável. E o desejo crescente de percepção é tão estranhamente anulado pelo orgulho que o pensamento questiona o seu limite racional. Faz com que cada ideal reúna a sua cor intensa em dúvida, concebendo um negro tão metafisicamente inibidor. Inibe a inconsciência imaginada invisível, querida sem porquê. E se o descontrolo da ânsia por mais leva do branco ao preto, porque não há a loucura de arriscar o para lá da escuridão ? O conjunto de alma pensante e confusa, a reflexão de atitudes e posturas mentais, do monótono nada e tudo que nos preenche, cresce. Cresce e aprisiona o que mais anseia por capturação, dado a capacidade de contaminação da ignorância feliz; e explode .. liberta e grita o extâse de cores, o negro. E é uma queda livre sem fim ..

8.1.07

Duração

Pensei que desse algo melhor
Achei que o étereo poderia evadir-se
Até que o rosa me emancipasse o riso
Julguei o conhecimento de tudo isto

Mas não, nada. Ou tudo.
De facto a contraditariedade muda
O infinito de coisas que boiam em mim
De cor indefinida de pensar

Olhar sem possesão
Inutilidade frenética que me treme
O agarrar, escapa
Desespero ? Grita, ilude e foge !

Pós momento depressivo
Retoma tudo vez a vez
Pensamento eterno inconclusivo
Volta a sensação .. venha ciclo !

Até que chega, momentâneo
Abrir de olhos e esclarece o inalcansável
Humanamente frustrante
E o fim

Um julgar de coisas mortiferamente enlouquecedor

3.1.07

Alma

Ele bate com tanta força e agonia que chega a saber a morte, sabor a medo mas mesmo assim a concretização de palavra. Mas passa sempre, apenas deixa o desejo do fim, daquela morte tão ambiguamente querida. Chamem tresloucada se quiserem, agora a alma deixou de ter ouvidos. O mundo cá dentro vestiu-se de luto pela estupidez dos actos, pelo despercídio de alguma inteligência. A irreversivilidade começa a dar sinais, realmente as flores grandes e vistosas desaparecem com o tempo, não para todos. Para uns apenas deixam de ter importância, ou a sua existência é gozada. Outros, simplesmente invejam a sua simplicidade e adoptam a atitude de parecerem superiores. E se calhar são, ninguém sabe. O que é que esta alma está a fazer ? Meu deus, a complexidade atinge-a como um tiro, mas não liga. E mesmo assim continua a mostrar-se, juro até que avisa .. de nada serve. Nada. Porque no fundo tudo isto é nada. É passar porque tem de ser, porque não há mais nada a fazer. Pode passar-se no apático. Até naquela felicidade patética. E ainda há o passar-se a pensar, a pensar para depois se acabar sem ter percebido porquê, mas sem o patético, o bom do ignorante. Mas o inatingível de momento, talvez por se ter perdido o inteligível, é o porquê deste ciclo obscuro vicioso e auto-consumista. A alma chega até a duvidar da lógica, aquilo que sempre a moveu, tal é a grandiosidade do acabamento. Lógica essa que lhe indicou, tal como aos outros, que se sabemos a causa da coisa e sabemos como resolver a coisa, então acaba-se a coisa. Mas que coisa ? Talvez seja esse o problema da questão da alma. Também, que glória terá uma alma que pergunta sem resposta, que magoa sem perdão, que chora sem porquê. Mas o pensamento, esse sim talvez o maior feito da ciência ou de deus, de momento não tenciono discutir crenças, nunca deixa a alma perder-se em paz. Ela pede para que morra, até que lentamente, não se importa, mas por favor sem consciência do destruimento em roda. Porque assim dói ainda mais cá dentro. E a alma pensa. Pensa mas não atinge. E o que faz é pedir desculpa. Desculpa por existir.

28.12.06

Ciclo

O tornar do não ser
Me cinge a tal depressão
De que a arte depende então
Ou me impediria de escrever

Que se por isso quero passar
Mesmo sem não conseguir
Querendo que deixe de existir
Em mim habita sem cessar

E os dedos tacteiam
Coisa palpável que dissipa em mim
Me enche os olhos de cegueira assim
Para o sonho que todos anseiam

13.12.06

Pastiche de Camões

Quem no mundo quiser ser
O sumo da perfeição
Meus olhos dirão
Para que é viver ?
Que já nos meus olhos viste
A glória de viver triste

Nenhum gosto me seria
Se na alma e no pensamento
Não houvesse tormento
No meio desta porfia
Viver eu, sendo mortal
Vi o bem suceder o mal

1.12.06

Frio existente

O frio racha qualquer um. Tira o movimento à àgua, ensurdece o vento, mata o verde. A mim ? Congela-me. Pensa-me. Mas que congele por dentro, e não por fora. Porque ao congelar por dentro ia parar, amaria o frio para sempre. Ia parar aquilo que se agrava desde à tempos, aquilo que tenho vergonha de onde veio. Que me estragou. É um tal desenquadramento da realidade temporal que me chora por dentro, porque as lágrimas de fora, as que me sabem a sal, essas não são nada .. são o mínimo extracto do que se passa por dentro. Nem a cabeça baixa, nem os olhos vermelhos, nada disso é o que realmente se passa. O agir como tantos outros faz com que me insiram em determinado grupo, o dos desgraçados, e isso desagrada-me de tal modo que o sentimento em mim me torna desagradável para com o mundo, ainda mais. Porque é algo de extraordinariamente mal encantado que me surge, e daí provém também a sensação de não ser. Eu não sou. Não como queria. E se o frio congelasse por dentro, eu não era nem deixava de ser. Seria desalmada. E como deve saber a lúxuria tal coisa. O dom de não ser, o dom de ser nada. Mas existir. E é um sentimento idolatral o que me enche, e por isso me esvaio ainda mais, por não ser capaz, por sofrer e não saber parar, por cobiçar a felicidade, e que ignorante é da minha parte cobiçar as coisas, o que existe. Como é que alguém que quer não ser quer coisas que existem ? Quer coisas ? É o descontrolo, se pudesse matava-o de forma incomensurável, para que gritasse, gritasse tão alto que se tornasse em desespero, e o desespero em dor infindável, e por fim .. o fim. E é isso que me governa, que me desgraça, é um mau governo sem emenda. E nada pode ser feito, porque destino existe sim, e mal de mim não ser destino o sonhar. Portanto há que esperar, esperar o fim. Para que acabe, e eu deixe de ser. E isso eu quero, só isso eu quero e vai acontecer.

18.11.06

Umas quantas coisas ..

A felicidade e a perfeição são inatingíveis. E se o sei, como posso eu considerar estar feliz e a lutar pelo perfeito ?

Deus é a desculpa, o refúgio e a cobardia dos humanos.

A infelicidade é viciante, e de nada dos serve o negar a realidade.

Chuva

É incrível a maneira como chove hoje, agora, e como tudo isso me fascina. O barulho da chuva quando cai, a maneira que o céu empalida tornando-se num cinzento tão solitário que inconscientemente me faz pensar que as gotas de àgua que caiem são as suas lágrimas. O vento, junto com a chuva, faz com que até o terraço coberto da casa abandonada fique molhado. Aquela casa está por acabar à anos. Agora, encontra-se meio pintada, e o seu muro, apesar de rodeado por redes verdes escuras, é frequentemente saltado por aqueles que querem explorar tal casa, à tanto por acabar. Eu própria já lá estive, sozinha e triste, mas só em dias de chuva, pois só assim a casa me transcende, de qualquer outra maneira é me igual a tantas outras. E lá nunca choro, as nuvens fazem-no por mim.Mas quero focar-me no agora, e não na história do agora, quero focar-me no que vejo: A casa abandonada, que em dias de sol é igual a tantas outras, mas hoje, o seu cimento combina com as cores do céu; e se nos concentrarmos e fecharmos os olhos, a casa é como que uma orquestraquando a chuva cai, ou nas telhas, ou no cimento, ou ainda na terra e no tijolo, cada um produzindo um som diferente.E o cheiro que invade quem contempla esta imagem é apaixonante; o cheiro a madeira a arder, a lareira. E este, misturado com todos os outros odores que caracterizam tais dias como este, resulta, enfim, no cheiro a que gosto de chamar cheiro a Inverno.Há ainda os pinheiros, que devido ao vento e à chuva libertam pinhas e as suas invulgares folhas, a única coisa que preenche a rua vazia da casa abandonada. E é por tudo isto que a chuva tanto me fascina, por conseguir que nós, seres humanos, reparemos na momentânea beleza de coisas que nunca antes reparámos, como eu e a casa abandonada.

Carta

"Ela pensa que quer esquecer, mas não quer. Ela quer outra vez, quer aquele amor intenso, aquele que a levou a fazer tudo, aquele por quem deu tudo, pelo qual se destruiu. Mas não pode. Até dá pena vê-la, aquele sorriso trémulo e sem significado, fingido por detrás do choro e da amargura. E ele nem nota, ele, que sempre esteve com ela nos momentos intensos, não nota, e por isso ela sofre ainda mais. Julga-se tão traída, tão magoada, porém consegue continuar a amar e amar, e sabe que vai amar sempre, mesmo que esteja com outra pessoa. Pensa de como era bom ver o sorriso dele depois de um beijo apaixonado. Agora, sente na pele a prisão de o ver e não lhe poder tocar, comê-lo com beijos, matá-lo de ternura. E ela parece uma criança, pobre apaixonada que não sabe o que pensar do amor, não sabe o que pensar dele. A maneira como ele dizia que a amava, mesmo que fosse só nos momentos a sós, sim porque aquele amor era algo que só conseguia ser totalmente platónico a sós. Na presença de terceiros pareciam uns trapos que já tinham dado tudo o que havia para dar, e o que ela chorava por isso, o que ela lhe suplicava, mas ele não ligava, e ela não se importava. Os momentos a sós compensavam tudo. Juntos choravam por si próprios, juntos eram como um só, podiam ficar presos naqueles momentos a sós para sempre. Mas eram dois adolescentes apaixonados. Gaiatos que não percebem o próprio sentido da vida. E ela está agora sentada a pensar nisso, temendo que os olhos sequem de tanto ardor e lágrima, as coisas que aquelas lágrimas poderiam contar sobre a rapariga ! O que mais atormenta aquela cabeça desorientada, é o que ele sente. Será que ao beijar a outra imagina a sua cara ? Como ela faz quando beija outro ? Será que está sempre a segui-la com o olhar, será que alguma vez vai ser capaz de a esquecer ? Será que já esqueceu ? Daria ele tudo para voltar atrás? E ela deseja que sim, ela, adolescente não religiosa, prega a Deus para que isso aconteça. No passado sempre lhe disseram que ele lhe fazia mal, que ele a enganava. Mas ele dizia que não, e ela acreditava... e porque não ? Porque não acreditar naquele a quem se entregou de alma e corpo, aquele que chorou com ela, que a amou nos seus braços, e que dormiu sobre ela ? E parecia tudo tão verdadeiro ! E talvez fosse, mas agora não parece. E ela sente-se mal, porque enquanto sofre por um, sente-se a enganar o tal outro que diz que a ama e que acredita que ela o ama. Mas ela não o ama, apenas sabe que estar com este outro a ajuda, mas ela não o ama, ela ama-o a ele, e sempre amará, ele estará para sempre preso no seu pensamento. E o pior, é que ele não nota...e fá-la sofrer de toda a maneira mesmo sem saber. Aquele que a amou fá-la sofrer, e ela chora, humilha-se, destrói-se. E ele não nota."


Como é que tudo se torna assim ? Porque é que certas pessoas demonstram tanta capacidade de ultrapassar os momentos maus e também os sentimentos indesejados, e outras ficam no seu silêncio choroso a lamentar a má sorte ? A crueldade do sofrimento por amor, ou aquilo que julgamos ser amor, pois não existe conceito exacto para tal, é de tal modo enorme, transcendente, tem uma tal capacidade de mobilizar pessoas, levá-las aos actos mais extremos e loucos, que é um dom conseguir geri-lo como deve de ser. Ainda por cima quando se é jovem, a juventude que por uns é aproveitada e por outros desperdiçada em lamentos; é triste ver um ser na sua juventude a degradar-se, ir à loucura, envergonhar-se publicamente, expor-se de tal maneira aos demais que todos conseguem atingi-lo, deixar-se ser guiado por alguém que o despreza e conhece o seu amor. É triste, mas acontece.

(Im)perfeição

Ser perfeito
Quem o é ?
À quem diga que Deus
Gente que tem fé

Ser perfeito
Os ateus ?
Que seguem regras da ciência
Em vez de irem por Deus

Ou aqueles tais indiferentes
Aqueles tais, que
Na sua indeferença
São julgados como más gentes

Perfeição, então ?
À quem procure por ti!
Será que é a tal de imperfeição
Que ronda por aqui ?

Perfeitas as coisas que dizemos ser
Perfeitas de tão imperfeitas que são
Mas não conseguiriamos viver
Sem tal imperfeição

O amor
Tal de perfeito nos momentos de emoção
Perfeito para uns
Para outros não

Erros cometidos
De tal modo irresistíveis
Do mesmo modo irreversíveis
Consequências inpensáveis
No momento do cometido
Que depois do sucedido
Choramos, enfim
Por de tão arrependidos

Imperfeitos quem eu amo
No seu nível de imperfeição
Muito menos que os outros
Imperfeitos são

O que é então ser perfeito ?
É ser culto, inteligente ?
Ser bonito e boa gente ?
É ser justo, ter bondade ?
Viver com vivacidade ?
É ser calmo, paciente
ou então ser indiferente ?
É o que, então
Essa tal de perfeição ?